Wednesday, May 31, 2006


Dangerous Games, 1970
Por Equipo Crónica (Espanha)

Fonte da imagem

Tuesday, May 30, 2006

Monday, May 29, 2006


"Nel segno di Guernica" 4
Theatre en Vol (Itália)

Sunday, May 28, 2006


"Nel segno di Guernica" 3

Theatre en Vol (Itália)

Saturday, May 27, 2006


"Nel segno di Guernica" 2
Theatre en Vol (Itália)

Friday, May 26, 2006


"Nel segno di Guernica" 1
Theatre en Vol (Itália)

Thursday, May 25, 2006


Gernika - (outra possível Lira)

Wednesday, May 24, 2006


Gernika - Depois do bombardeamento (uma possível Lira)

Tuesday, May 23, 2006


Gernika - população depois do bombardeamento

Monday, May 22, 2006

Sunday, May 21, 2006

GERNIKAKO ARBOLA
Texto y Música: José María Iparraguirre

Gernikako arbola
da bedeinkatua
Euskaldunen artean
guztiz maitatua.
Eman ta zabal zazu
munduan frutua
adoratzen zaitugu
arbola santua

Mila urte inguru da
esaten dutela
Jainkoan jarri zuela
Gernikako arbola.
Zaude bada zutikan
orain da denbora
eroritzen bazera
arras galdu gera

Ez zera eroriko
arbola maitea
baldin portatzen bada
Bizkaiko Juntia.
Laurok hartuko degu
pakian bizi dedin
euskaldun jendia.

Betiko bizi dedin
Jaunari eskatzeko
jarri gaitezen danok
laister belauniko.
Eta bihotzetikan
eskatu ezkero
arbola biziko da
orain eta gero.

Arbola botatzia
dutena pentsatu
denak badakigu.
Ea bada jendia
denbora orain degu
erori gabetanik
eduki behar degu.

Beti egongo zera
uda berrikoa
lore aintzinetako
mantxa gabekoa.
Erruki zaite bada
bihotz gurekoa
denbora galdu gabe
emanik frutua.

Arbolak erantzun du
kontuz bizitzeko
eta bihotzetikan
Jaunari eskatzeko,
gerrarik nahi ez degu
pakea betiko,
gure lege zuzenak
hemen maitatzeko.

Erregutu diogun
Jaungoiko Jaunari
pakea emateko
orain eta beti.
Baita indarra ere
zerorren lurrari
Euskal Herriari.



(Tradução para castelhano)

El árbol de Guernica
es símbolo bendito
que ama todo euskalduna
con entrañable amor.
Arbol santo: propaga
tu fruto por el mundo
mientras te tributamos
ferviente admiración.

La tradición nos dice
que el árbol de Guernica
hace más de mil años
por Dios plantado fue.
Arbol santo: no caigas,
que sin tu dulce sombra,
completa, irremisible,
nuestra perdición es.

No caerás, ¡oh roble!,
si cumple sus deberes
Vizcaya. Un noble abrazo
sus hijos se han de dar.
Y así las cuatro hermanas
te prestarán su apoyo
para que el euskalduna
viva libre y en paz.

Para que nunca muera
el símbolo sagrado
doblemos la rodilla
e invoquemos a Dios.
Y el árbol sacrosanto
vivirá eternamente
siendo el himno de gloria
de nuestra redención,

En tiempos ya lejanos,
¡oh patria siempre amada!,
de tu suelo quisieron
el árbol arrancar.
Unámonos, hermanos,
y luchemos sin tregua
por defender el trono
de nuestra libertad.

Roble antiguo y sin mancha:
consérvate lozano,
con primavera eterna,
con eterno verdor.
Ten piedad de nosotros
y préstanos tu sombra,
pues te adoramos todos
con santa devoción..

El árbol nos responde:
"Vivid apercibidos
y que yo nunca muera
debéis siempre pedir".
No deseamos guerra,
que en paz con nuestras leyes
sabias, libres y amadas,
deseamos vivir.

Queremos, ante todo,
que con la paz fecunde
la tierra que sustenta
el árbol secular.
Su sombra bienhechora
derrame generoso
sobre el pueblo euskalduna
libre, noble y audaz.

ESCUTAR

Saturday, May 20, 2006

VIII

GUERNICA
(continuação)

Lira – Ai, ai. Já não posso mexer os braços.

Fanchu – Deixa lá, eu tiro-te daí.

Lira – As pedras já me chegam ao pescoço.

Fanchu – Não te rales. Vais ver que encontro uma solução.

Lira – Vou morrer.

Fanchu – Queres que chame o notário para o testamento?

Lira – Que testamento?

Fanchu – Não se diz assim?

Lira – Voltas ao mesmo?

Fanchu – (Lisonjeado) Devias fazer um, para eu mostrar aos vizinhos.

Lira – Só pensas em dar nas vistas.

Fanchu – Faço-o por ti. Todas as grandes senhoras o fa­zem. Devias preparar o teu testamento e as tuas últimas palavras.

Lira – Que últimas palavras?

Fanchu – As que se pronunciam antes de morrer. Queres que te dê ideias? Podias falar... (Reflecte e de­pois precipitadamente) da vida ou da humani­dade...

Lira – Cala-te, estás a dizer asneiras.

Fanchu – Chamas a isto asneiras? És muito frívola.

Lira – (Lamentosamente) Voltas a injuriar-me?

Fanchu – Não, minha gatinha.

Lira – Já não me posso mexer. (Lamentosamente) Quando acabará esta guerra?

Fanchu – Claro, Sua Excelência queria que a guerra aca­basse quando lhe agrada.

Lira(Choramingando) Não se pode acabar com ela?

Fanchu – Evidentemente que não. O general disse que não parava, enquanto não tivesse tomado tudo.

Lira – Tudo?

Fanchu – Tudo, claro.

Lira – Exagera !

Fanchu – Os generais não fazem as coisas por menos ou tudo ou nada

Lira – E as pessoas ?

Fanchu – As pessoas não sabem fazer guerras. De resto, o general tem muito quem o ajude.

Lira – Então não vale, assim não é lutar.

Fanchu – Que importância tem isso para o general ?

Lira – Já não me posso mexer. Se caírem mais pedras, vou ficar completamente soterrada.

Fanchu – Que chatice ! Deixa lá. Vais ver, os bomardeamentos vão acabar.

Lira – De vez ?

Fanchu – De vez

Lira – Como é que sabes?

Fanchu – (Espicaçado) Duvidas da minha palavra?

Lira – Não! (Céptica) Como queres que duvide?

(Rebentam três granadas. Estrondo aterrador.)

Çira – (Chorando copiosamente) Meu querido, estou completamente coberta, vem libertar-me.

Fanchu – Minha gatinha, vou imediatamente. Vais ver, tiro-te já daí.

(Fanchu aproxima-se. Penosamente sobe os escombros. Choro de Lira.)

Lira – Desta vez vou mesmo morrer.

Fanchu – Não percas a calma. Já aí vou.

(Fanchu avança penosamente, sobre as ruínas. Chega ao sítio onde está Lira.)

Fanchu – Minha gatinha, aqui me tens. Dá-me a tua mão.

Lira – Não vês que estou coberta de pedras?

Fanchu – Vou já libertar-te. Espera, vais já sair daí.

(Grande bombardeamento. Tornam a cair pe­dras. Fanchu também fica sepultado sob os escombros. Quando este longo bombardeamento está para acabar, a mulher passa da direita para a esquerda. A menina já não a acompanha. Leva ao ombro um pequeno caixão. Tem um ar irri­tado e impotente - Vide o quadro de Picasso - Desaparece à esquerda. Ao fundo, por entre as paredes desmoronadas, vê-se a árvore da liber­dade. O bombardeamento acabou: em cena, tudo ruínas. Longo silêncio. Do sítio exacto em que desapareceram Fanchu e Lira, elevam­se devagarinho dois balões de cor que sobem em direcção ao céu. Entra o oficial, que dispara a sua metralhadora sobre os balões sem os atin­gir. Os balões desaparecem no céu. O oficial torna a disparar. Vindos do alto, ouvem-se risos alegres de Fanchu e Lira. n oficial, assustado, olha para todos os lados e sai, precipitadamente pela direita.

Entra o escritor. Sobe para a mesa. Examina o sítio em que se encontravam Fanchu e Lira. Ar satisfeito. Desce da mesa. Sai pela esquerda, quase a correr, cheio de alegria.)

O Escritor – Vou fazer de tudo isto um romance espantoso. Um romance magnífico. Que romance!

(A sua voz perde-se ao longe. Pausa. Muito perto, ruído de botas de soldados em marcha. Ao fundo, baixinho, um grupo de homens canta «Guernikako Arbola». 0 grupo torna-se cada vez mais numeroso e as vozes cada vez mais fortes. É agora uma multidão que canta «Guernikako Arbola», até se sobrepor por completo ao ruído das botas, enquanto cai o pano.)

Friday, May 19, 2006

VII

GUERNICA
(continuação)

Lira – Porque é que demoliram a casa?

Fanchu – É preciso repetir sempre a mesma coisa (Mar­cando todas as sílabas) Então a experimentar bombas explosivas e incendiárias. Depois, dizes que sou eu que não tenho cabeça.

Lira – E não podiam experimentá-las noutro sítio?

Fanchu – Julgas que é assim tão fácil? Era necessário experimenta-las numa povoação.

Lira – Porquê?

Fanchu – Vais dizer que estou a fazer troça de ti, mas bem vês que não tens a menor instrução. Por­quê? Porquê? Para que queres que seja senão para ver se as bombas funcionam?

Lira – E depois?

Fanchu – E depois? E depois? Estás a fazer de parva : se a bomba mata muita gente, serve e fabricam mais; se não mata ninguém, não presta e não fabricam mais.

Lira – Ah!

Fanchu – É preciso explicar tudo.

Lira – (Zangada) Não percebo porque é que levas a mal: sei muito bem que não tenho tantos estudos como tu.

Fanchu – (Inchado de orgulho) Sei tudo, hem? Poderia parecer, realmente, que andei na Faculdade. (Uma pausa. Tem ar satisfeito e surge-lhe uma boa ideia) Poderia passar por um professor, não?

Lira – (Aborrecida e céptica) Claro, com certeza.

Fanchu – Achas, na verdade?

Lira – Claro.

Fanchu – Assim, serias mulher de um professor. Na rua, as pessoas diriam ao ver-nos: «olhem para os professores» (Uma pausa). Poderíamos fazer­-nos valer: teríamos cartões de visita e assis­tiríamos às conferências. Só me falta o guarda­-chuva. De resto, tens muita instrução : com tudo o que leste na retrete!

Lira – Lá vens tu, outra vez!

Fanchu – Não estás de acordo?

Lira – Nós professores?...

Fanchu – Nunca estás de acordo com as minhas ideias. Foi sempre assim. Pois bem ! Se recomeças, vou-me embora para sempre. (Com ar irritado) Não quero que vivas com um homem que diz asneiras. Adeus !

(Fanchu agacha-se e faz barulho em cima da mesa para fazer crer que se vai embora.)

Lira – Querido ! Deixas-me sòzinha ?

(Lira queixa-se. Fanchu está imóvel e continua acocorado.)

Lira – Era a brincar. (Uma pausa) Bem sabes que te admiro muito. (Longa pausa) Davas um pro­fessor. (Uma pausa) Quem te ouve falar pen­sará que és capitão ou até antiquário.

(Longo silêncio. Fanchu parece orgulhoso.)

Lira – Meu querido! (Uma pausa) Deixas-me sòzinha ? (Uma pausa) Anda! (Pausa longa. O mesmo jogo.)

Lira – Ai, ai. (Chora) As pedras recomeçaram a cair.

Fanchu – (Levanta-se ansioso) Que te aconteceu, meu anjo? Estás ferida?

Lira – Vou ficar completamente soterrada. E é este o momento que escolhes para te ires embora. Não tens coração.

Fanchu – És tu quem começa.

Lira – Estava a brincar.

Fanchu – Jura que não tornas.

Lira – Juro.

Fanchu – Juras por quê?

Lira – Como de costume.

Fanchu – Sem reservas?

Lira – Sim, sem reservas.

Fanchu – Está bem. Espero que não recomeces.

(Bombardeamento. Ruído de bombas e de aviões. Entretanto a mulher e a filha passam da direita para a esquerda puxando um carri­nho de mão cheio de velhas espingardas. Pára o bombardeamento.)

(continua)

Thursday, May 18, 2006

VI

GUERNICA
(continuação)

(Bombardeamento. Aviões, bombas. Entretanto, da direita para a esquerda, a mulher e a filha passam, empurrando um carrinho de bebé cheio de munições. Cessa o bombardeamento. Longo silêncio.)

Fanchu Minha Lira !

Lira – Hein ?

Fanchu – Porque não tiveste amantes?

Lira – Amantes? (Riso curto).

Fanchu – Sim, sim, amantes. (Ri-se. Cala-se).

Lira – Eu? (Riso curto).

Fanchu – Tu, claro.

Lira – Não tinha pensado nisso.

Fanchu – Nunca pensas em mim. Podia arranjar-te um milhão de exemplos. (Uma pausa) Devias ter tido ao menos um. (Reflecte) Um coronel.

Lira – Com que então, um coronel, e é assim que gostas de mim?

Fanchu – És uma antiquada.

Lira – Ainda por cima, insultas-me.

Fanchu – Não, minha gatinha. (Uma pausa. Teimoso) Mas todas as mulheres como deve ser têm amantes. (Uma pausa) Nunca me quiseste aju­dar: quando te dispo, para que os amigos te acariciem, ficas sempre amuada.

Lira – Porque me constipo.

Fanchu – Encontras desculpas para tudo.

Lira – Só pensas em ti, és um egoísta.

Fanchu – Faço isso por ti. (Com ar satisfeito. Teve uma ideia) Hás-de escrever as tuas memórias, mais tarde.

Lira – Ai. (Uma pausa) As pedras recomeçaram a cair. (Geme) Já não posso mexer os pés.

Fanchu – Faz um esforço.

Lira – (Lamentosamente) Estão enterrados.

Fanchu – Realmente, as coisas começam a ficar feias.

Lira – E é tudo o que dizes. Nunca te preocupaste comigo.

Fanchu – Pelo contrário, estou muito desgostoso. (Brus­camente) Queres que chore?

Lira – Bem vejo o que pretendes: queres pregar-me mais uma partida.

Fanchu – Não, vais ver, se quiser posso chorar de verdade.

Lira – Conheço-te bem. É-te indiferente que eu morra.

Fanchu Isso é o que tu dizes. Quando morreres... (Reflecte) hei-de-me deitar três vezes seguidas contigo.

Lira – Ainda te gabas.

Fanchu – Já te esqueceste?

Lira – (Cortando-lhe a palavra, em tom peremptório) Claro, claro, aquele tal sábado em que...

Fanchu – (Zangado) Depois vem-me dizer que eu é que não sou gentil contigo

(Ouve-se mais um desabar.)

Lira – Ai, ai (Queixa-se cada vez mais). Agora é que vou mesmo morrer.

Fanchu – Chamo um padre?

Lira – Que pouca memória tens : esqueces-te de que já não somos crentes?

Lira – Foste tu que decidiste. Já não te lembras?

Fanchu – (Que não se lembra de nada) Ah!

Lira – Disseste que seríamos (Uma pausa. Com ênfase) mais evoluídos.

Fanchu – (Surpreendido) Evoluídos? Nós?

Lira – Com certeza.

Fanchu – E agora estamos nesta triste situação, vais morrer e vais para o inferno.

Lira – Para sempre?

Fanchu – Claro, para sempre. E que suplícios! Vais ver como elas mordem. Ele é mestre nessas coisas.

Lira – Ele? Quem?

Fanchu – Ora, Deus.

Lira – Deus? (Riso curto)

Fanchu – Sim, Deus. (Riso curto. Riem os dois timida­mente em coro.)

(Bombardeamento. Ruído de aviões e de bombas que rebentam. Passam, entretanto, da direita para a esquerda a mulher e a filha. A mulher leva às costas um saco cheio de munições várias. A pequena ajuda-a o mais que pode. O bombar­deamento cessa.)

Lira – Ai, ai.

Fanchu – Que te aconteceu?

Lira – Nunca mais posso sair daqui.

Fanchu – Não percas as esperanças.

Lira – As pedras já me dão até à cinta.

Fanchu – Não te preocupes. Vais ver, vou encontrar alguma coisa para te tirar.

Lira – Realmente, não temos sorte.

Fanchu – A culpa é tua : essa mania que tens de ler na retrete. Passas aí horas e horas. O que te acon­teceu não me espanta nada.

Lira – Sou eu sempre quem tem a culpa.

Fanchu – Não leves a mal, não quis magoar-te. (Silêncio)


(continua)

Wednesday, May 17, 2006

V

GUERNICA
(continuação)

(Ruído de aviões. Bombardeamento. Entretanto, a mãe e a filha atravessam o palco da direita para a esquerda, trazendo espingardas caçadei­ras. 0 balão de Lira rebenta. Cessa o bombar­deamento.)

Lira – (Lacrimosa) Rebentaram o meu balão.

Fanchu Que brutos ! Dispararam de qualquer maneira, sem apontar.

Lira – Fizeram de propósito.

Fanchu – Não, mas disparam sem apontar, sem cuidado nenhum.

Lira – Que brutos! Primeiro, destroem-nos a casa e agora, ainda por cima, rebentam-nos o balão.

Fanchu – São insuportáveis.

Lira – Vai ver se acertaram na árvore.

(Fanchu desce da mesa. Dirige-se à janela. Por trás dela, aparece o oficial. Fanchu olha-o. O oficial olha para Fanchu com ar grave. Fanchu baixa a cabeça amedrontado. Riso sem alegria do oficial, enquanto brinca com as algemas.0 oficial desaparece da janela. Fanchu levanta a cabeça. Não vê ninguém. Enfia devagar cr cabeça pela janela e olha para a árvore. Ar satisfeito. Risos atrás dele, à direita. Volta-se para a direita. O rosto trocista do oficial apa­rece e desaparece logo em seguida. Fanchu assustado já não sabe o que há-de fazer. Risos à esquerda, depois à direita, à esquerda, à direita, à esquerda à direita. Fanchu, aterro­rizado, queda-se, imóvel. O oficial entra pela direita. Ar grave e de quem observa. Parece muito preocupado com Fanchu. Não pára de o examinar, enquanto tira do bolso uma san­duíche embrulhada em papel de jornal e se põe a roer o pão. Coloca-se junto de Fanchu. Este afasta-se dele. O oficial torna a pôr-se a seu lado. Fanchu tenta fugir, timidamente. O oficial continua colado a ele, a um canto. Fanchu já se não pode mexer. Tem os olhos pregados no chão. O oficial barra-lhe a passagem, afastando os cotovelos. Enquanto o observa, o oficial con­tinua a rilhar tranquilamente o pão. Longo silêncio.)

Lira – Mas o que é que estás a fazer?

(Fanchu não se pode mexer. Não responde.)

Fanchu – E é isto, agora deixa-me sozinha.

(O oficial rói a sanduíche, impassível, sem lar­gar Fanchu.)

Lira – (Com ternura) Anda, meu amorzinho.

(O oficial deixa de comer e faz uma careta, como para rir, mas sem ruído. Mostra os dentes todos. Fanchu, envergonhado, baixa mais a cabeça. Depois, o oficial deixa de rir e come.)

Lira – Estás zangado? (Uma pausa) Pois bem, é ver­dade que conseguiste, naquele sábado. (Uma pausa) Estás contente?

(O oficial deixa de comer e faz uma careta como para rir, mas sem barulho: mostra os den­tes todos. Fanchu, envergonhado, baixa mais a cabeça. Depois, o oficial deixa de rir e come.)

Lira – Bem sei que tens sucesso com as mulheres... sobretudo com a padeira.

(O mesmo jogo. Depois, o oficial guarda com cuidado o que ficou da sanduíche; embrulha-a no papel de jornal. Limpa minuciosamente a boca com as mangas do casaco de Fanchu. Lim­pa as botas com as abas do casaco de Fanchu. Depois, volta-se e sai da sala pela direita, com ar marcial. Fanchu ri-se, todo contente, deita a língua de fora, empertiga-se com ar assustado. Olha para todos os lados. Certifica-se de que ninguém o pode ver. Deita a língua de fora e faz negaças. Ri-se, todo contente e trepa para cima da mesa.)

Fanchu – Minha gatinha, a árvore continua de pé.

Lira – Levaste este tempo todo a ver isso?

Fanchu – Gosto de fazer as coisas como deve ser.

Lira – Por acaso, não terás ido visitar a padeira?

Fanchu – Por quem me tomas? Estamos em guerra, como podes ver-me a procurar aventuras?

(continua)

Tuesday, May 16, 2006

IV
GUERNICA
(continuação)


(O balão sobe e desce.)

Fanchu –Estás bem?

(O balão sobe e desce.)

Fanchu – Fala (longo silêncio). Não me queres dizer nada? Estás zangada comigo? Não tenho culpa. (Pausa) Se só dependesse de mim... (Pausa) Não fui eu quem destruiu as casas. (Satisfação) De resto não apanharam a árvore. (Repentina­mente) Ficaste zangada para sempre? (Silêncio) Estás zangada até à morte? (Silêncio) É assim que tu gostas de mim? Está bem! Faz o que quiseres! (Olha resolutamente para o outro lado com desprendimento. Cruza os braços) Ouviste o que te disse? Faz como quiseres. É-me indi­ferente. (Pausa) Depois não me venhas dizer que sou eu que começo e que tenho mau génio. Desta vez a coisa é clara, eu não te fiz nada. És tu que não me falas. Eu bem te percebo. Começaste por dizer que naquele sábado não consegui e, agora, recusas-te a falar. (Pausa) Nem ao menos queres mexer o balão?

(Fanchu volta-se e olha. O balão sobe e desce devagar.)

Fanchu – Ah, Sua Excelência não pode falar, sua Exce­lência está fatigada, sua Excelência apenas se digna agitar o balão? Está bem, ficas a saber que não me magoas, diz qualquer coisa. (Longo silêncio) Está bem !

(Retoma o ar zangado. Olha para o outro lado, cruzando os braços. Pela direita, entram o escri­tor e o jornalista, que continua a trazer o bloco.Fanchu, assustado, refugia-se debaixo da mesa. O escritor fareja-o. Examina-o de todos os ângulos e impede-o de se mexer.)

Escritor – Como este povo é complexo e sofredor! Escreva isso. Diga antes que a complexidade deste povo sofredor floresce de forma espontânea numa guerra fratricida e cruel como esta. Nada mal, hein? Não, não. Suprima essa frase. É demasiado enfática. É preciso encontrar algo de definitivo, sim, hei-de encontrar...

(Fanchu continua estendido no chão, assustado, debaixo da mesa. O escritor e o jornalista saem pela esquerda. Ouve-se a voz do escritor que se vai perdendo ao longe.)

Escritor – Que romance vou fazer de tudo isto. Que roman­ce! Ou talvez uma peça, ou mesmo um filme. E que que filme!

Lira – Com quem estavas a falar?

Fanchu – Sua Excelência tornou a encontrar a língua. Deixou de ser muda. Pois bem, ficas a saber que sou eu agora que não quero falar.

Lira – Meu querido, estou muito mal. Sinto-me muito mal. Não tens pena de mim!

Fanchu – Que se passa? Estás doente?

Lira – Mas tu não vês que estou coberta de pedras e que não me posso mexer?

Fanchu – Já me tinha esquecido.

Lira – Tu nunca te lembras de mim.

Fanchu – Tens razão. Devia dar um nó no meu lenço.

Lira – Que seria de ti, se eu não existisse? Tens tão pouca cabeça.

Fanchu – Já estou farto de te ouvir dizer isso. Pois bem, vou arranjar outra. Ainda sou capaz de con­quistar uma mulher, sabes? Se visses como a padeira olha para mim, todas as manhãs, quando vou buscar o pão.

Lira – (Zangada) Pois é. Agora enganas-me com a primeira serigaita que encontras. Eu sabia per­feitamente que não podia ter confiança em ti.

Fanchu – Ela é que olha para mim. Eu cá nem lhe ligo.

Lira – (Zangada) Isso é o que tu dizes. Gostava de te ver.

Fanchu – Não fiz nada, juro-te.

Lira – (Zangada) Mais uma das tuas juras. Também juraste levar-me em viagem de núpcias.

Fanchu – E continuo a pensar nisso. Logo que a guerra acabe, havemos de fazer uma viagem. Hei-de levar-te a Paris.

Lira – (Zangada) Claro, a Paris. O cavalheiro quer divertir-se.

Fanchu – Vês como tu és! Nunca estás de acordo comigo.

Lira – Ai! Caem mais pedras em cima de mim.

Fanchu – Doeu-te muito? Ah! é realmente aborrecida esta coisa da guerra.

Lira – Faz uma coisa por mim.

Fanchu – O que queres?

Lira – Chama um médico.

Fanchu – Levaram-nos todos.

Lira – Mais vale dizeres que não queres fazer nada por mim .

Fanchu – Não te apercebes de que estamos em guerra?

Lira – Mas nós não fizemos mal a ninguém.

Fanchu – Isso não interessa. E depois dizes que sou eu que me esqueço de tudo. Tu já te esqueceste de como as coisas são.

Lira – Podiam muito bem abrir uma excepção para nós, que somos velhos.

Fanchu – Que é que tu julgas?... É um caso sério a guerra. Vê-se logo que não tens instrução nenhuma.

Lira – Pronto, agora insultas-me. É melhor dizeres que já não gostas de mim.

Fanchu – (Terreamente) Meu amorzinho, eu não te quis ofender.

Lira – Não quiseste ofender mas ofendeste. Como tu mudaste. Dantes trazias-me nas palminhas.

Fanchu – E agora tu também.

Lira – E essa história da instrução? Achas que não tenho amor-próprio?

Fanchu – Mas eu só disse isso por dizer, sem intenção.

Lira – Então retira o que disseste.

Fancho – Retiro o que disse.

Lira – Sem segunda intenção?

Fanchu – Sim. Juro.

Lira – Juras sobre quê?

Fanchu – O costume.

Lira – Está bem. Espero que não voltes a fazer isso.

(Uma pausa)

Fanchu –Não podes tentar levantar-te para sair?

Lira – Mas, logo que me mexo, as pedras começam a cair.

Fanchu – É preciso fazer qualquer coisa.

(continua)