G U E R N I C A
(continuação)
Fanchu – Já não posso. És a única a dizê-lo. Já te não lembras daquele sábado?
Lira – Que sábado?
Fanchu – Que sábado há-de ser? Vais esqueceste ?
Lira – Começas outra vez a gabar-te?
Fanchu – Não me estou a gabar. É a pura verdade, mas tu não queres reconhecê-la. (Pausa) Lira – (Ansiosa) Vai ver outra vez se eles deitaram a árvore abaixo.
(Fanchu desce da mesa. Dirige-se para a janela-. Abre-a. Por detrás dela, aparece um oficial. Olham-se detidamente. Fanchu baixa a cabeça, com ar receoso. O oficial ri, sem alegria, enquanto, com o dedo, faz girar as algemas.Fanchu, de cabeça baixa, fecha a janela. Regressa com ar assustado. Volta para cima da mesa.)
Lira – Então? (Pausa) Então? Continua de pé?
Fanchu – Não sei !
Lira – Não sabes ?
Fanchu – Não pude vê-la.
Lira – Pois é, estou aqui incapaz de sair, só te peço para veres se deitaram a árvore abaixo e tu não queres fazer isso.
Fanchu – Não pude.
Lira – Está bem, como queiras !
(Fanchu desce da mesa. Aproxima-se da janela, a medo. Abre-a com ansiedade. Olha para fora. Volta para cima da mesa. Ergue-se na ponta dos pés, com ar satisfeito.)
Fanchu – Está de pé.
Lira – Bem te tinha dito. (Pausa) Mas ajuda-me. Não me deixes só.
Fanchu – Que queres que eu faça? Não descobres nada? Como tu mudaste. Bem se vê que já não gostas de mim.
Fanchu – Claro que gosto, minha gatinha. Tenta levantar-te, estica o braço, vou tentar agarrá-lo.
(Fanchu estica-se o mais que pode e estende o braço em direcção aos escombros. Enquanto Fanchu tenta agarrar a mão de Lira, o oficial entra pela direita. O oficial olha para Fanchu, que está de costas para ele.)
Fanchu – Faz um esforço. Estica-te um pouco mais para eu o agarrar. Mais um bocadinho. Isso ! Isso !
( Fanchu está na ponta dos pés. O oficial empurra-o para trás e fá-lo cair. O oficial sai imediatamente pela direita. Fanchu estica-se penosamente. Olha para a direita. O oficial aparece à janela. Ri, sem alegria, brincando com as algemas. Fanchu olha a medo para a janela. No momento em que os seus olhares se cruzam, o oficial deixa de rir e de brincar com as algemas. Olham-se muito sérios. Fanchu baixa a cabeça. O oficial, de novo, ri sem alegria e recomeça a brincar com as algemas. Desaparece finalmente. Fanchu levanta a cabeça e olha na direcção da janela, com ar aliviado.)
Lira – Ai, ai ! Porque é que me largaste?
Fanchu – Escorreguei. Magoaste-te, minha gatinha?
Lira – Caíram mais pedras em cima de mim. Ai!
Fanchu – Perdoa-me!
Lira – Não posso contar contigo.
Fanchu – Claro que podes. Vou fazer-te uma surpresa : um presente.
(Fanchu tira do bolso um cordel e um balão azul. Enche o balão e ata-o prendendo uma pedra na ponta do cordel.)
Fanchu – Agarra a pedra que te vou atirar.
(Fanchu lança a pedra para o outro lado da parede.)
Fanchu – Agarraste-a ?
Lira – Agarrei.
Fanchu – Puxa pelo fio.
(Lira obedece. O balão fica por cima dela.)
Fanchu – Olha para cima. Vês?
(Ruído de aviões. Bombardeamento. Estrondear ensurdecedor. Entretanto, passam, da direita para a esquerda, a mulher e sua filha. Empurram um carrinho de mão. No carrinho, levam um caixote em que se lê «Dinamite». Ar irritado e impotente. Acaba o
bombardeamento.)
Fanchu – Minha gatinha! (Pausa) Minha gatinha...
(continua)
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