VII
GUERNICA
(continuação)
Lira – Porque é que demoliram a casa?
Fanchu – É preciso repetir sempre a mesma coisa (Marcando todas as sílabas) Então a experimentar bombas explosivas e incendiárias. Depois, dizes que sou eu que não tenho cabeça.
Lira – E não podiam experimentá-las noutro sítio?
Fanchu – Julgas que é assim tão fácil? Era necessário experimenta-las numa povoação.
Lira – Porquê?
Fanchu – Vais dizer que estou a fazer troça de ti, mas bem vês que não tens a menor instrução. Porquê? Porquê? Para que queres que seja senão para ver se as bombas funcionam?
Lira – E depois?
Fanchu – E depois? E depois? Estás a fazer de parva : se a bomba mata muita gente, serve e fabricam mais; se não mata ninguém, não presta e não fabricam mais.
Lira – Ah!
Fanchu – É preciso explicar tudo.
Lira – (Zangada) Não percebo porque é que levas a mal: sei muito bem que não tenho tantos estudos como tu.
Fanchu – (Inchado de orgulho) Sei tudo, hem? Poderia parecer, realmente, que andei na Faculdade. (Uma pausa. Tem ar satisfeito e surge-lhe uma boa ideia) Poderia passar por um professor, não?
Lira – (Aborrecida e céptica) Claro, com certeza.
Fanchu – Achas, na verdade?
Lira – Claro.
Fanchu – Assim, serias mulher de um professor. Na rua, as pessoas diriam ao ver-nos: «olhem para os professores» (Uma pausa). Poderíamos fazer-nos valer: teríamos cartões de visita e assistiríamos às conferências. Só me falta o guarda-chuva. De resto, tens muita instrução : com tudo o que leste na retrete!
Lira – Lá vens tu, outra vez!
Fanchu – Não estás de acordo?
Lira – Nós professores?...
Fanchu – Nunca estás de acordo com as minhas ideias. Foi sempre assim. Pois bem ! Se recomeças, vou-me embora para sempre. (Com ar irritado) Não quero que vivas com um homem que diz asneiras. Adeus !
(Fanchu agacha-se e faz barulho em cima da mesa para fazer crer que se vai embora.)
Lira – Querido ! Deixas-me sòzinha ?
(Lira queixa-se. Fanchu está imóvel e continua acocorado.)
Lira – Era a brincar. (Uma pausa) Bem sabes que te admiro muito. (Longa pausa) Davas um professor. (Uma pausa) Quem te ouve falar pensará que és capitão ou até antiquário.
(Longo silêncio. Fanchu parece orgulhoso.)
Lira – Meu querido! (Uma pausa) Deixas-me sòzinha ? (Uma pausa) Anda! (Pausa longa. O mesmo jogo.)
Lira – Ai, ai. (Chora) As pedras recomeçaram a cair.
Fanchu – (Levanta-se ansioso) Que te aconteceu, meu anjo? Estás ferida?
Lira – Vou ficar completamente soterrada. E é este o momento que escolhes para te ires embora. Não tens coração.
Fanchu – És tu quem começa.
Lira – Estava a brincar.
Fanchu – Jura que não tornas.
Lira – Juro.
Fanchu – Juras por quê?
Lira – Como de costume.
Fanchu – Sem reservas?
Lira – Sim, sem reservas.
Fanchu – Está bem. Espero que não recomeces.
(Bombardeamento. Ruído de bombas e de aviões. Entretanto a mulher e a filha passam da direita para a esquerda puxando um carrinho de mão cheio de velhas espingardas. Pára o bombardeamento.)
(continua)
No comments:
Post a Comment